quarta-feira, 13 de julho de 2016

O tamanho da mágoa.

Conheci Marcelo num supermercado do Irajá,  trabalhando como anunciante. Magro, negro, grisalho, alto, carioca da gema, nunca tinha ido nem ao Cristo Redentor nem ao bonde de Santa Tereza nem a atração turística nenhuma, aliás, pra ele nada disso era para as pessoas como ele.
Achava que deveria ser caro demais. Quando lhe disse quanto custava um passeio desses ele até estranhou. Mas mesmo sendo  barato e acessível aos nativos, algo o impedia sequer de querer participar destes roteiros turísticos ou outro qualquer do Rio de Janeiro. Roteiros tão preciosos a qualquer viajante do mundo e talvez em caso de disposição, passeios domésticos simplesmente deslumbrantes. O que seria esse algo, porque essa aversão?
Quis e precisei entender isso,  conhecimento que talvez ajudasse a explicar as razões da freqüência quase insignificante de pessoas negras como vistantes em todos estes roteiros. Isto sempre me intrigou muito. Cara...O Marcelo expôs depois o Norton confirmou com explicações garrafais o sentimento de distanciamento desses roteiros vivido pelos cariocas mais simples. Eles imaginam que essas atividades como acessíveis apenas a uma certa "elite" e mais, essa conversa confirmou  as evidências anteriores que indicavam a existência de um ressentimento, uma  mágoa do povo mais  simples do rio para com sua cidade. 
Esse ressentimento, essa mágoa não são nem pequenos nem novos. E é tão intenso que faz sua vítimas indiferentes e até refratários ao "progresso" e às  belezas tão cantadas de sua linda cidade.
Exemplo desta refração é a falta de apreco pelas melhorias  conquistadas em função do chamado "legado olímpico" que dotou o rio de modernidade não percebidas nem nos tempos de capital. Essas modernidades  são solenemente ignoradas por estas pessoas.
Vamos lá então aos elementos probatórios desta tese: Falando com o Marcelo e exortando as belezas do rio ( vlt, bonde, metro novo, parque Deodoro, trans olímpica,  atracoes turisticas tal cristo redentor, praias, etc) ouvi dele que aquilo não era pra ele, depois o Norton confirmou também, que todo o charme desses passeios, novidades dessas obras assim como a festa olimpíca não era também pra ele. Ai o nó começou a desatar. Mesmo sendo ambos cariocas, mesmo não sendo  moradores de morros, mesmo sendo bem informados, mesmo tendo certo poder aquisitivo, mesmo assim não conseguem viver, aproveitar o/ou valorizar a presença dos jogos olímpicos em sua cidade.  Marcelo explicou que investiram muito nesses jogos mas que não se justifica gastar tanto com jogos quando os hospitais para a população não estão funcionando. E ademais esses investimentos foram feitos no centro. Cadê a segurança no subúrbio, nos morros? Ele Não reclama da truculência dos policiais não. Ele reclama da ausência do poder público  no subúrbio. Diz que o centro, a zona sul e parte da zona norte estão por ora seguros e bem policiados. E a zona oeste?  A maior de todas, a que concentra o maior número de habitantes, a mais pobre e mais violenta? Nem metrô, nem vlt, nem reformas embelezadoras foram vistas por lá . O que foi feito por lá? Uma das praças olímpicas, Deodoro e a rodovia transolímpica ligando Deodoro ao centro. A promessa de uma linha de BRT ligando toda aquela regiao ao centro por enquanto é sô promessa e olha que para isto eram necessárias apenas adaptações viárias.  O problema é que deodoro está em apenas uma das tantas macro regiões pobres da zona oeste e a mais próxima da região central já toda resolvida. Dai a transolimpica  facilitar o acesso ao centro não significa melhoria substancial quase nenhuma no desenvolvimento do conjunto desta região ( na verdade, se perguntass às pessoas elas responderiam desejar mais investimento em saúde e segurança).  O porto maravilha chama muito atenção pelos museus, VLT, túnel... Mas pra quem é útil? Apenas ao turismo.  Aos ja tão beneficiados setores hoteleiros da região central, e a grandes empreendimentos imobiliários ainda no centro. E a grande massa da baixada? Continua sem segurança, sem hospitais, sem lazer e sem perspectiva. Nestes acende a revolta e o questionamento sobre a importância destes investimentos da olimpíada.

Olhando de fora poderíamos ingenuamente supor que o povo do rio de janeiro realmente vive dividido entre a beleza e o caos. Mas na verdade essa divisão existe apenas para quem vê de fora, pois a distância da periferia e do cotidano do carioca pelo visitante ocasional confere a possibilidade de uma visão   acritica da cidade permitindo assim viver os prazeres do turismo sem pensar numa utilizacao diferente desses investimentos, à luz das necessidades mais cotidanas dos moradores.

Mas quem vive e vê de dentro pra fora a realidade do Rio de Janeiro têm certeza e pronuncia com uma segurança surpreendente: foda-se olimpíadas e tudo mais relacionado a ela, pois ela não ajuda em nada ao conjunto do povo carioca até piora a vida das comunidades pois os créditos gastos em obras olímpicas faltarão à obras de melhoria cotidiana.

Como bem lembrou Marcelo "Porra quem não viu que as três reformas do maracanã não tinham sentido nenhum?  Além de cada uma delas custar o mesmo que derrubar um e construir outro, pra que esse investimento quando  o município tem que conviver com a falência da saúde publica, da segurança e da educação? Pra que investir tanto num estádio?"
Esse raciocínio infelizmente é valido a todas as obras olímpicas.
Hoje o Eduardo Paes estava no jornal e questionaram ele sobre sua afirmação de que quem fala mal do rio deveria ir embora. Sacanagem dele se ele realmente afirmou isto. Admiro este prefeito que tanto conseguiu arrancar do estado verbas para o que entendia como melhoria do municipio. Mas ao que tudo indica lhe falta compreensão e talvez empatia com os principais interessados nas melhorias do Rio. Seu próprio povo.

Quem ta falando mal do rio, quem não consegue aceitar tantas incoerências nesse caso são os verdadeiros cariocas, os que nasceram  no Rio mesmo e que tem esse lugar como lar. Não são os turistas eventuais. São as pessoas que estão aqui antes e estarão aqui depois das olimpíadas.

Deu pra entender porquê uma violência tão sem limites assola o cotidiano  desta cidade? As pessoas não tem sentido amor por ela. Tem sentido é muita mágoa e desesperança. Um evento tão grande e tão importante como as olimpíadas não conseguiu catalizar o amor das pessoas pela cidade e suas belezas numa corrente positiva e festiva. Pelo contrário, exacerbou as feridas geradas pela discriminação e reafirmou o complexo de inferioridade da população em relação aos turistas. Afinal, é tudo pra eles e pros ricos e turistas, e nós, o povo, que será de nós?...

"Rio 40 graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos".

Para o carioca não existe beleza possível diante de tanta miséria. E diante da falta de perspectivas de vida, reclamar bom senso ou lógica tanto do cidadão comum como dos policiais, criminosos e servidores públicos, como queria o secretário de segurança, beira a comicidade.
Só assim da pra entender a naturalidade com que os grevistas e manifestantes destroem sua cidade para o mundo todo ver. Tanto faz pra eles. Enquanto nosso mundo for essa merda, que se foda o resto também. Pra ele, o cidadão comum, não faz diferença mesmo.

Mas a título de epílogo, é impressionante como o resto do Brasil e porque nao dizer do mundo

ama e idolatra o Rio de Janeiro. Apesar de toda violência, de todos os senões, os investimentos nacionais nestes eventos tem sido espetaculares. Será que essa exclusão de que tanto padece o cidadão comum também é provocada pela necessidade nacional de manter uma bela vitrine  para si e para o Brasil no mundo promovendo então investimentos massivos no turismo carioca sempre nos lugares já consagrados? Desprestigiado assim os outros aspectos da cidade?

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